Uma História Policial, em Âmbito Molecular
Você já deve ter ouvido muitas histórias policiais em que o mordomo é o culpado de envenenar alguém com arsênico. Mas eu duvido que você saiba qual é a história do arsênico.
Na verdade, a história é sobre o arsênio (As), um elemento químico da família do Nitrogênio (N). Não vá confundir arsênio com arsênico, o nome do elemento é ARSÊNIO. Os compostos do elemento arsênio são chamados de arsênicos, inclusive o anidrido arsenioso (As2O3), o veneno de que estamos falando.
O arsênio nem sempre foi um assassino. Ele vivia tranquilamente com vários átomos de enxofre (S) numa pedra chamada ouropigmento (As2S3). Até que um dia, o homem o retirou da natureza e, por meio de reações químicas, separou o arsênio de seus átomos de enxofre para fazer o As2O3.
As2O3 trabalhou duro em inseticidas e raticidas, mas o arsênio planejava uma terrível vingança: entrar no corpo das pessoas e pegar de volta o que lhe foi roubado, os átomos de enxofre.
As vítimas do arsênio moram nas células do nosso corpo. São as enzimas que contêm grupos -SH ligados à sua cadeia carbônica.
Enzimas são substâncias que têm a função de facilitar as reações químicas que acontecem nas células dos seres vivos, como a digestão e a produção de energia.
As enzimas são um tipo de proteína, o que significa que suas moléculas são muito grandes e complexas, formadas por partes menores, chamadas aminoácidos.
O plano de vingança é o seguinte: como o arsênico é um óxido ácido, ele irá se misturar e reagir com a água para formar um ácido.
O As2O3 transforma-se no cruel íon arsenito AsO33—, que será bebido com a água sem que a vítima perceba. E, depois de invadir nosso corpo, o arsenito irá direto para as células atacar as pobres enzimas com enxofre:
As enzimas atacadas vão parar de trabalhar, pois o arsênio não larga mais o enxofre delas depois que o agarrou, e a célula acabará morrendo. Vingança completada.
Para que a pessoa morra, um pouco mais de 0,1 grama de As2O3 já é suficiente. Mas não fique desesperado, pois existe um herói nessa história: o BAL (British anti-Lewisite). O BAL é uma substância muito corajosa e destemida, lutou na Primeira Guerra Mundial salvando as vítimas do gás Lewisite (que tinha arsênico) e, até hoje, trabalha em hospitais no setor de intoxicação:
Depois de entrar no nosso corpo, o BAL tem uma armadilha infalível para capturar o arsenito. Primeiro, atrai o arsenito com seus irresistíveis enxofres e, depois, o agarra antes que ele consiga atacar as enzimas. Como o BAL tem uma molécula pequena, é muito mais fácil para o arsenito pegar seus enxofres, poupando a vida das enzimas.
Para dar um final feliz a essa história, falta dizer que o vilão arsênio já está se recuperando, alguns de seus compostos já estão salvando vidas, sob a forma de medicamento contra anemia, reumatismo, sífilis e a doença do sono.
Jorge Andrey W. Gut, Eng. Química da USP